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Um biólogo explica como os fungos ligam árvores mortas às vivas, preservando a memória ecológica.

Floresta com troncos caídos cobertos de musgo e cogumelos, ao lado de um pinheiro jovem; aves voam ao fundo.

Cada floresta guarda o seu próprio passado como um sussurro sob os pés. Quando uma árvore enfraquece, a sua história não termina com a queda. Os fungos apanham o fio, unindo raízes a desaparecer a troncos vivos, para que as lições de seca, sombra e tempestade continuem a viajar.

Fios brancos, delicados como o ar e teimosos como arame, estendem-se de um cedro moribundo para a escuridão, e daí até uma jovem abeto que parece banal até se saber que está ligada a um mundo antigo. Pássaros esvoaçam acima de nós, o vento inquieta a copa, e por baixo de tudo isso flui uma economia silenciosa, molécula a molécula, decisão a decisão. Caminhamos por cima de uma biblioteca que raramente abrimos. Ela puxa um fio com um bisturi, sorri, e diz a frase que fica. “Os mortos ensinam os vivos.”

A memória subterrânea que une uma floresta

Em matas saudáveis, as raízes não param onde termina a sombra do tronco, e a verdadeira ação começa onde a luz não chega. Redes de fungos micorrízicos entrelaçam-se no solo, trocando açúcares por água e minerais, mas o seu talento não é só o comércio, é a continuidade. Uma árvore em declínio ainda pulsa nessa teia, descarregando o seu último carbono, as reservas de azoto, as notas químicas de stresse, e esses sinais preparam os vizinhos que a vão sobreviver. O que parece decadência é, muitas vezes, uma passagem deliberada.

A imagem mais clara descrita pela bióloga começa com uma árvore marcada e um gás traçador, um brilho de ficção científica só visível aos sensores. Num longo verão, investigadores marcaram uma bétula com CO2 isótopo de carbono, e depois observaram as plântulas de abeto de Douglas acenderem-se, não por acaso, mas devido a fungos partilhados entre elas. Depois dos escaravelhos devastarem um terreno, a rede remanescente continuou a transportar reservas dos troncos moribundos para os jovens à sombra, um pequeno reforço mensurável para a sobrevivência. Todos já tivemos aquele momento em que alguém mais velho nos passa um truque que nos salva; a floresta faz isso em câmara lenta.

Chamemos de memória ecológica: a influência persistente de estados passados a moldar o que vem a seguir. O mecanismo é ao mesmo tempo prosaico e impressionante, porque as hifas transportam mais do que alimento, transmitem compostos de advertência e alteram a expressão genética das folhas semanas depois, como se a floresta ensaiasse. Não há espíritos, nem sussurros, só bioquímica a funcionar numa malha que sobrevive a árvores individuais e une gerações. A própria teia evolui com a perturbação, reencaminhando-se após tempestades, adensando-se sob certas espécies, e essa rede mutável transforma-se em arquivo vivo do que o povoamento aprendeu.

Como ouvir — e ajudar — a rede fúngica

Há um método simples de campo em que a bióloga confia quando procura ligações subterrâneas: segue a madeira. Deixa um ramo caído no lugar, levanta uma pequena lasca de casca junto ao solo, e procura fios finos, brancos, abanando-se como geada na manta morta — é aí a fronteira do fungo; depois segue até à origem, o pé da raiz mais próxima. Em jardins ou pequenos bosques, podes imitar a passagem na floresta criando uma “zona-madrinha”: um anel de folhada e madeira em decomposição à volta das árvores mais velhas que toque a linha de gotejamento das mais jovens, para que as hifas façam a ponte naturalmente.

Muitas vezes as pessoas limpam a própria desordem que torna a memória possível, e isso vem do carinho, não do desleixo. Rastejar todas as folhas, revolver canteiros, usar adubos de libertação rápida ou pôr lixívia nos cogumelos, tudo isso corta as linhas que queremos adensar. Sejamos honestos: ninguém faz isto todos os dias. Aponta para uma época do ano em que mexas pouco no solo, mantenhas a sombra e adiciones mulch de madeira em vez de só composto, porque os fungos alimentam-se primeiro de celulose e lignina. Se regares, faz sessões longas e lentas, para que a rede aprenda o ritmo e cresça até ele.

Os hábitos ficam quando são humanos, por isso o conselho da bióloga soa mais como permissão do que como regra.

“Os fungos não são magia”, diz ela, “mas tornam a magia possível ao manter os capítulos ligados. Se uma árvore tiver de morrer, deixa-a acabar a história com audiência.”
  • Deixa um tronco ou ramo pequeno por cada 10 metros quadrados para alimentar a teia.
  • Planta uma mistura de espécies nativas que partilhem micorrizas, não uma monocultura.
  • Abre trilhos, não todo o solo; o solo compactado é um rádio avariado.
  • Evita fungicidas de largo espectro junto das raízes salvo diagnóstico claro.
  • Ao remover uma árvore, deixa um cepo à altura de um banco como “tampão” para a rede.

O que as florestas recordam, nós também podemos recordar

Há romance no nome “wood-wide web”, e também um nó de debate por trás dele, porque nem todas as espécies partilham por igual e nem todos os sinais viajam como lição moral. Ainda assim, o cerne rigoroso da investigação mantém-se: redes comuns de micorrizas deslocam recursos e sinais entre indivíduos, e árvores em declínio podem semear o futuro com mais do que sementes. Parques urbanos podem acolhê-las, pomares podem utilizá-las, e até um ácer de quintal pode sussurrar às plântulas se tiver tempo e um pouco de desordem. O gesto mais generoso pela memória é parar de apagá-la.

Ponto-chaveDetalheInteresse para o leitor
Os fungos ligam árvores vivas e moribundasAs hifas formam redes comuns que transferem carbono, nutrientes e sinais de stressCompreender como as florestas resistem a choques e porque a madeira morta importa
A memória ecológica é práticaCondições passadas moldam as respostas futuras graças a redes persistentes no soloAplicar esta perspetiva para orientar escolhas no cultivo, corte e restauro
Pequenos gestos reforçam a teiaDeixar resíduos lenhosos, reduzir perturbações, plantar nativas diversificadasPassos concretos para aumentar a resiliência em quintais e espaços verdes

Perguntas Frequentes:

  • As árvores realmente partilham recursos através dos fungos? Vários estudos mostram passagem de carbono, azoto e compostos sinais através das redes micorrízicas, embora as quantidades e os destinos variem por espécie e contexto.
  • O conceito de “árvore-mãe” é provado ou apenas metáfora? Árvores mais velhas e bem conectadas funcionam muitas vezes como nós centrais, mas a ideia de agência é humana; a rede segue gradientes, parcerias e escolhas fúngicas mais do que laços familiares.
  • As árvores urbanas ou de jardim podem beneficiar destas redes? Sim, se o solo não estiver removido, compactado ou esterilizado; até um pequeno recanto com mulch e nativas mistas pode albergar parceiros fúngicos vigorosos.
  • Devo comprar inoculantes micorrízicos? Podem ajudar em solos estéreis, mas na maioria dos sítios os fungos nativos chegam sozinhos se protegermos o habitat com folhada, aparas de madeira e raízes vivas.
  • Todos os fungos são benéficos para as árvores? Não; alguns são patogénicos, muitos outros mutualistas ou decompositores, por isso a diversidade e a gestão suave favorecem os mais úteis.

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