A febre das proteínas esconde uma realidade mais complicada por detrás do rótulo.
Das cadeias de cafés aos corredores dos supermercados, as etiquetas de proteína estão em todo o lado. O sinal é reconfortante. As consequências merecem uma análise mais atenta.
Um mercado alimentado pelas redes sociais e pela ansiedade de desempenho
Os pós de proteína saíram dos sacos de ginásio para ocupar as bancadas das cozinhas. Batidos reforçados, snacks fortificados e cafés proteicos espalharam-se rapidamente pelos Estados Unidos e Europa. Estudos de mercado mostram que a maioria dos americanos aumentou o consumo de proteína em 2024, com maior crescimento entre a Geração Z, novos pais e adultos mais velhos que pretendem manter a força.
O impulso comercial parece imparável. O número de lançamentos de bebidas proteicas duplicou entre 2020 e 2024. As cadeias de café oferecem doses adicionais. Os supermercados dedicam corredores inteiros a recipientes de sabores néon. O argumento é simples: mais proteína significa mais energia, mais foco, corpos melhores.
A maioria dos adultos saudáveis já atinge - e muitas vezes ultrapassa - as necessidades diárias de proteína sem recorrer a medidas, saquetas ou shakers.
O que o seu corpo realmente precisa
Para um adulto típico, cerca de 0,8 gramas de proteína por quilo de peso corporal por dia são suficientes. Isto coloca muitas pessoas perto das 50–70 gramas, normalmente atingidas com refeições comuns. Basta um iogurte grego ao pequeno-almoço e um peito de frango modesto ao almoço. Quem faz exercício recreativo geralmente não precisa de consumir muito mais, desde que as refeições sejam equilibradas e distribuídas ao longo do dia.
Atletas em treino intenso podem visar valores superiores, frequentemente 1,2–1,7 gramas por quilo, mas o tempo e as fontes alimentares continuam a ser importantes. O corpo utiliza melhor a proteína quando a ingestão é distribuída, e não quando é massivamente consumida à noite ou concentrada num batido após cada série de exercício.
Sinais de alerta laboratorial: chumbo escondido nos pós
Por detrás das afirmações apelativas, testes laboratoriais lançaram alertas. Em 2025, a Consumer Reports avaliou 23 pós e bebidas proteicas. Mais de dois terços excederam os limites seguros para o chumbo, com alguns produtos a ultrapassarem várias vezes o limite. As variedades de origem vegetal, sobretudo as baseadas em proteína de ervilha, apresentaram problemas mais frequentes. As plantas podem absorver metais pesados do solo e da água de rega, e as concentrações aumentam à medida que os ingredientes são processados e concentrados.
Os especialistas em saúde pública alertam para isto há anos. A exposição ao chumbo soma-se ao longo do tempo. A ingestão crónica pode afetar o sistema nervoso, o coração e os rins. Pessoas grávidas, crianças e utilizadores diários enfrentam maior risco.
Nos Estados Unidos, os suplementos não passam por aprovação pré-mercado. As empresas auto-regulam os testes, definem os seus próprios limites e raramente publicam resultados.
Essa lacuna regulatória é relevante. A mesma bebida comprada online ou num hipermercado pode conter mais chumbo por dose que o permitido nos padrões de água potável. Os rótulos raramente divulgam resultados de testes a metais pesados e os limites variam muito entre estados e países.
Quem deve ter mais cautela
- Pessoas grávidas ou a amamentar, devido à vulnerabilidade fetal/infantil ao chumbo
- Crianças e adolescentes, pois cérebros e ossos ainda estão em desenvolvimento
- Utilizadores diários que consomem várias doses de pós vegetais
- Pessoas com doença renal ou hipertensão
- Pessoas que juntam vários produtos fortificados (barras, batidos, cereais) no mesmo dia
Como o marketing redefiniu o conceito de “saudável”
Desde o início dos anos 2000, o “rico em proteína” ganhou aura positiva. Estudos de mercado mostram que os consumidores classificam produtos com alegações de proteína como de maior qualidade, mesmo quando têm mais açúcar, sal ou calorias. Gelados, cereais e até refrigerantes vangloriam-se agora dos gramas de proteína, incentivando os consumidores a pagar mais e a aumentar a dose.
A narrativa também mudou as nossas expectativas. Tratamos quebras de energia ou falta de progresso no ginásio como défice de proteína. Mas, na verdade, sono em falta, ingestão baixa de hidratos durante treinos intensos, défice de ferro ou simples excesso de treino explicam melhor muitos plateaux do que uma dose suplementar.
O problema do “inchaço proteico”
Ingerir proteína em excesso oferece pouco benefício para a maioria das pessoas. O corpo não consegue armazenar proteína a mais como faz com o glicogénio ou gordura. É decomposta, e alguns subprodutos têm de ser eliminados. Para adultos saudáveis, isto é gerível. Para quem tem doença renal ou hipertensão, grandes cargas diárias podem ser prejudiciais. Entretanto, uma aposta exagerada em proteína em pó pode substituir alimentos ricos em fibra, essenciais para a saúde intestinal e o desempenho a longo prazo.
Estrategias alimentares priorizando comida real trazem proteína acompanhada de fibras, minerais e fitoquímicos impossíveis de replicar com pós.
Como realmente é um dia de proteína
Atingir os valores mais comuns é mais simples do que parece. Espalhe a ingestão em três ou quatro momentos de refeição. Comece cada um com uma fonte proteica, depois adicione vegetais e cereais integrais para fibra e micronutrientes.
| Alimento | Proteína por dose | Extras notáveis |
| Iogurte grego, 3/4 chávena (170 g) | 17–20 g | Cálcio, probióticos |
| Peito de frango, 85 g (3 oz) | 25–27 g | Niacina, selénio |
| Ovos, 2 grandes | 12–13 g | Colina, vitamina D |
| Lentilhas, 1 chávena cozinhada | 17–18 g | Fibra, ferro |
| Tofu firme, 100 g | 12–14 g | Cálcio (se preparado com sulfato de cálcio) |
| Manteiga de amendoim, 2 colheres de sopa | 7–8 g | Gorduras saudáveis, magnésio |
| Proteína em pó, 1 dose | 20–30 g | Aditivos variam; verificar sódio e adoçantes |
Impacto ambiental e logístico
Os pós de proteína não surgem do nada. Muitas proteínas vegetais vêm de ervilhas ou soja cultivadas em larga escala, depois fracionadas e concentradas. Cada etapa pode introduzir contaminantes do solo e água, ou dos equipamentos de processamento. Algumas linhas recorrem a solventes ou tratamentos de alta temperatura, com elevados requisitos energéticos e de controlo de qualidade.
O soro lácteo de origem animal é um subproduto do queijo. Pode ser reciclado de forma eficiente, mas implica ainda assim as exigências climáticas e hídricas do sistema leiteiro. O transporte agrava: envio de matéria-prima, processamento transfronteiriço e embalamento final. Quando batidos diários substituem feijão, lentilhas ou laticínios locais, a pegada pode aumentar sem ganhos para a saúde.
Escolhas mais inteligentes se ainda quiser conveniência
Nem todos abandonarão os pós. Algumas pessoas precisam de opções portáteis ou têm dificuldade em comer o suficiente após lesão ou cirurgia. Nesses casos, foque-se em reduzir riscos e ter informação transparente.
- Procure selos de certificação independente como NSF Certified for Sport ou USP Verified.
- Prefira produtos que publiquem resultados para metais pesados por lote.
- Altere fontes e marcas em vez de depender do mesmo recipiente o ano todo.
- Mantenha doses razoáveis. Uma dose combinada com comida real é melhor que acumular várias.
- Aponte para 20–30 gramas de proteína por refeição, de fontes variadas, não um batido de 60 gramas.
- Em caso de gravidez, criança ou doença renal, discuta com um profissional de saúde.
Sinais de que pode estar a exagerar
Repare se começa a depender dos pós para substituir refeições, se o sódio dos batidos preparados está a subir, ou se reduz a variedade de vegetais no prato. Se o carrinho de compras tem barras, batidos e “cereal proteico”, mas poucos legumes, ovos, peixe ou iogurte simples, provavelmente o equilíbrio já foi alterado.
Contexto útil para alargar a perspetiva
Palavra a saber: DDR significa dose diária recomendada para pessoas saudáveis, não é mínimo para atletas nem um objetivo a superar. Não existe um valor único “seguro” de proteína máxima para todos. Muitos nutricionistas desportivos desencorajam manter valores acima de 2 gramas por quilo/dia durante longos períodos sem acompanhamento ou análise.
Um balanço rápido ajuda. Some a proteína de um dia com alimentos normais, usando os rótulos ou uma aplicação nutricional. A maioria atinge 60–90 gramas sem esforço: aveia e leite ao pequeno-almoço, ovos ou feijão ao almoço, peixe ou tofu ao jantar, mais frutos secos para lanche. Se já cumprir o seu intervalo assim, um batido diário apenas aumenta custos e possíveis contaminantes sem benefício evidente.
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