m. Só uma palavra: “isso”. Sem contexto, sem continuação - apenas aquele fantasma de quatro letras, pendurado no ar como se fosse uma frase. Ela fitou-o, meio divertida, meio irritada, repetindo na cabeça a conversa de há pouco. Era uma correção? Uma farpa passivo-agressiva? Um erro de digitação? Ou um daqueles tiques linguísticos estranhos que todos usamos sem dar por isso?
Quando começas a reparar, percebes quanta força se esconde naquela palavrinha. Um gestor diz “isso é interessante” e a sala arrefece. Um parceiro diz “não assim” e a discussão muda de andamento. Um professor escreve “muda isso” e, de repente, um aluno duvida de tudo.
Fingimos que “isso” é neutro. Quase nunca é.
A palavrinha que, em silêncio, governa as nossas vidas
Ouve qualquer reunião, nota de voz ou chat de grupo e vais dar com ela: “isso” a cair por todo o lado como parafusos soltos no chão de uma oficina. “Não foi isso que eu quis dizer.” “Viste isso?” “Detesto isso por ti.” A palavra desliza entre as pessoas e as experiências, transformando sentimentos vagos em juízos certeiros sem levantar a voz.
Dita depressa, “isso” parece inofensivo, só uma ponte para a ideia seguinte. Ao ouvir de novo, pode doer. Quando alguém diz “eu não disse isso”, não está a discutir gramática. Está a disputar a realidade. Aquela palavrinha decide o que conta como real numa história.
E, quando a ouves, não a consegues deixar de ouvir.
Uma terapeuta com quem falei faz uma contagem de quantas vezes os clientes dizem “isso” numa única sessão. O recorde, contou-me, é 173. “Isso magoou.” “Isso não foi justo.” “Isso fez-me sentir estúpido.” Cada “isso” prega um momento na parede, como um espécime sob vidro. Já não é uma dor vaga. É isso - aquilo, ali.
Em gravações de formação corporativa, os linguistas vêem o mesmo padrão. Pessoas de estatuto elevado apoiam-se em “isso” para julgar e controlar: “isso não é aceitável”, “isso é o problema aqui”, “não podemos ter isso”. Enquanto isso, os colaboradores mais juniores usam-no de forma defensiva: “eu pensei que isso estava bem”, “não me apercebi de que isso estava errado”. A mesma palavra, com o poder invertido.
Nas redes sociais, “isso” tornou-se uma arma em modo atalho. “Lê isso outra vez.” “Quem disse isso?” “Imagina publicar isso.” A palavra funciona como um holofote, puxando uma frase para o palco e convidando toda a gente a reagir.
Tira o “isso” dessas frases e elas ficam sem vida. Volta a pô-lo e tens drama.
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Gramaticalmente, “isso” é um camaleão. Pode ser determinante (“esse livro”), pronome (“eu gosto disso”) ou conjunção (“acho que tens razão”). Na vida real, faz algo ainda mais estranho. Fatiar o fluxo confuso da experiência em unidades para as quais conseguimos apontar. Transforma uma tempestade de emoções em “essa discussão”, “essa noite”, “esse olhar que me deste”.
Isto ajuda - até certo ponto. Dar nome às coisas dá-nos controlo. Mas “isso” também nos permite simplificar demais. Quando alguém diz “nunca me vou esquecer disso”, comprime uma teia inteira de contexto numa única fotografia mental. A memória torna-se uma manchete em vez de uma história. A palavra cria atalhos na mente, e atalhos podem enganar.
Também usamos “isso” para nos distanciarmos. Compara “eu disse isso” com “eu disse-o”. A segunda soa mais próxima, mais assumida. A primeira acrescenta um instante de espaço, como se o falante estivesse a apontar para as próprias palavras do outro lado da sala. Uma barreira emocional discreta em quatro letras.
Como usar “isso” sem deixar que “isso” te use
Um hábito simples muda muita coisa: faz uma pausa sempre que sentires vontade de escrever ou dizer “isso” num momento tenso. Não para sempre. Só meio segundo. Depois pergunta, em silêncio: “Ao certo, para o quê é que estou a apontar aqui?” Se não conseguires responder com clareza, reescreve.
Em vez de “isso foi rude”, experimenta “quando me interrompeste, senti-me desvalorizado”. Não suavizaste a mensagem. Passaste de uma acusação desfocada para um retrato concreto. “Isso” adora a zona cinzenta, onde as pessoas podem discutir infinitamente o que “isso” foi, afinal. A precisão encolhe o campo de batalha.
Os escritores usam outro truque pequeno: apagar “isso” quando não acrescenta nada. “Eu acho que devíamos sair” em vez de “Eu acho que devíamos sair”. O sentido mantém-se, o ritmo fica mais leve. O teu cérebro arrasta menos tralha, e a mensagem acerta com mais nitidez.
Onde a coisa se complica é em e-mails e mensagens de trabalho. Um gestor escreve: “Podes mudar isso?” e acredita que está a ser eficiente. Quem recebe passa dez minutos a pensar: mudar o quê, exatamente? O layout? O tom? O texto todo? “Isso” vira máquina de nevoeiro.
Os leitores raramente se queixam em voz alta desse nevoeiro. Apenas sentem um desgaste subtil. Uma mensagem no Slack como “Vamos evitar isso” deixa as pessoas a adivinhar, nervosas demais para perguntar. Então corrigem em excesso, ou não fazem nada, ou ficam silenciosamente ressentidas com quem enviou. Uma sílaba, confusão em cascata.
Sejamos honestos: ninguém faz isto todos os dias. Ninguém reescreve cada “isso” vago para uma frase cristalina. A vida anda depressa, os teclados são pequenos, toda a gente está cansada. O objetivo não é a perfeição. É apanhar aquele punhado de momentos cruciais em que “isso” decide se alguém se sente atacado, apoiado ou simplesmente perdido.
“O perigo de ‘isso’”, diz um coach de comunicação, “é que te deixa sentir preciso enquanto te manténs vago. Lisonjeia a tua sensação de que já disseste o suficiente, quando apenas desenhaste um contorno.”
Pensa em três armadilhas emocionais comuns em torno desta palavra:
- A armadilha da culpa - “Isso é contigo.” Larga um veredicto sem explicar o crime.
- A armadilha da vergonha - “Não acredito que disseste isso.” Junta a pessoa inteira a um único momento.
- A armadilha da distância - “Aqui não fazemos isso.” Fecha a curiosidade em vez de explicar a cultura.
Usado com cuidado, “isso” pode fazer o contrário. “Isso deve ter sido difícil” cai muito mais suave do que “isso foi difícil para ti”, porque deixa espaço. A mesma ferramenta que corta também pode amaciar - se aprenderes onde a colocar.
A palavra que continua a moldar o que lembramos a seguir
Pensa na última discussão que repetiste na cabeça a caminho de casa. É provável que tenha girado em torno de uma versão desta frase: “Eu nunca disse isso.” Duas pessoas, dois “issos” diferentes. Uma agarra-se a uma frase específica. A outra aponta para um tom, uma atmosfera inteira. Ambas sentem que têm razão. Ambas falam uma por cima da outra.
Quando contamos histórias mais tarde, “isso” aparece como o corte de um editor de cinema. “E depois ele disse isso…” A palavra corta a linha do tempo, marca os momentos em que o tempo emocional mudou. Tudo antes disso é aquecimento. Tudo depois é consequência. Quanto mais repetimos a história, mais afiado esse corte se torna na nossa mente.
Todos conhecemos o momento em que um único “isso” começa a assombrar uma relação. Vira “aquele e-mail”, “aquela noite no restaurante”, “aquele olhar do outro lado da mesa”. Ninguém precisa de mais detalhes; o rótulo faz todo o trabalho emocional. Amigos escolhem lados por causa de uma palavra que nem sequer ouviram em primeira mão.
Neurocientistas falam de “chunking” - a forma como o cérebro agrupa dados em blocos geríveis. Linguisticamente, “isso” é uma das nossas ferramentas de chunking preferidas. Permite-nos embrulhar emoções soltas, impressões a meio, factos dispersos, em algo que conseguimos transportar. Útil, sim. Mas alguns desses embrulhos envelhecem mal.
Pensa em como falas contigo próprio. “Eu sou sempre assim.” “Porque é que eu disse isso?” De cada vez, não estás só a lembrar-te. Estás a esculpir. Fixas certas versões de ti em pedra com uma única sílaba. Com o tempo, “esse erro” torna-se “o tipo de coisa que eu faço”, e a identidade vai-se estreitando em silêncio.
Há uma pequena experiência que vale a pena: durante um dia, sempre que te apanhares a remoer “essa coisa” do passado, desempacota-a. Substitui “isso” por uma frase concreta: “Quando o meu chefe desvalorizou a minha ideia à frente da equipa, senti-me pequeno e zangado.” A cena fica menos mítica, mais humana. Menos objeto amaldiçoado, mais contexto.
O mesmo vale para a alegria. “Aquela viagem” ou “aquele verão” pode encolher meses ricos e cheios de camadas a um postal nostálgico com o qual a realidade nunca vai conseguir competir. Quando olhas para trás, vês “isso” em vez de mil detalhes imperfeitos e bonitos que o tornaram real. A memória vira uma campanha de marketing da tua própria vida.
Talvez o verdadeiro desafio seja simples: reparar em quais “issos” continuas a polir na tua cabeça. São os que te feriram, ou os que te acordaram? Voltas, vezes sem conta, a “aquela humilhação”, ou a “aquela vez em que me surpreendi por ser corajoso”? A palavra não vai desaparecer. Faz parte de como o inglês funciona. O que podes mudar é o que escolhes pendurar nela.
| Ponto-chave | Detalhe | Interesse para o leitor |
|---|---|---|
| O poder de “isso” | Molda discretamente a culpa, a memória e o tom emocional na conversa do dia a dia. | Ajuda-te a detetar tensão escondida em frases banais. |
| Vaguidão vs. clareza | Trocar um “isso” vago por exemplos concretos torna os conflitos mais fáceis de gerir. | Reduz a probabilidade de as tuas mensagens serem mal interpretadas. |
| Diálogo interno e identidade | Momentos repetidos de “isso” podem endurecer em histórias sobre quem tu és. | Dá-te uma forma de reescrever, com gentileza, narrativas antigas e limitadoras. |
FAQ:
- Porque é que a palavra “isso” soa tão julgadora às vezes? Porque “isso” muitas vezes aponta para um comportamento ou palavras sem contexto, podendo soar a veredicto. “Isso está errado” bate mais forte do que explicar o que, em concreto, não funciona e porquê.
- Devo tentar remover “isso” completamente da minha escrita? Não. O objetivo não é pureza; é consciência. Corta os “issos” vazios que só atrasam a frase e mantém os que apontam, de facto, para algo claro.
- Como posso tornar os meus e-mails menos confusos quando uso “isso”? Acrescenta um pequeno compasso de detalhe. Troca “Vamos mudar isso” por “Vamos mudar esse título para algo mais curto e direto”. Poupa tempo e ansiedade do outro lado.
- Reparar em “isso” pode mesmo ajudar em discussões? Sim. Quando alguém diz “Eu nunca disse isso”, pára e pergunta: “O que queres dizer exatamente com ‘isso’?” Muitas vezes revela que estão a discutir coisas diferentes.
- Isto não é só pensar demais sobre uma palavra minúscula? Pode parecer, ao início. Depois começas a ouvir com que frequência sentimentos grandes, conflitos e memórias ficam pendurados neste único gancho - e “pensar demais” começa a parecer mais “ver com clareza”.
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