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Astrónomos observaram um planeta onde chove vidro derretido a 7000 km/h.

Planeta azul com anéis brilhantes e uma estrela laranja ao fundo no espaço.

Sentimo-lo através de números, cores e de um vento tão rápido que transforma pingos de chuva em lâminas.

A noite em que ouvi um astrónomo sussurrar “chuva de vidro de lado” pela primeira vez, as luzes da sala de controlo estavam baixas e o café já arrefecera. Gráficos deslizavam no ecrã: espectros irregulares, quedas tímidas na luz das estrelas, o batimento cardíaco de um planeta que raspa a sua estrela a cada dois dias. Num canto, um pequeno ponto azul brilhava numa maquete, lembrando-nos que as nossas imagens mentais do espaço são frequentemente costuradas a partir de matemática e intuições. Alguém tocou-me e apontou para uma anomalia nos dados que não deveria estar ali, como uma pegada num lugar onde não devia haver nenhuma. A sala estava silenciosa naquele modo em que todos fingem não estar a sustentar a respiração. Chuva de lado.

Um Júpiter quente azul onde o vento esculpe o céu

HD 189733b fica a cerca de 64 anos-luz na pequena constelação da Raposa, um gigante gasoso inchado preso tão perto da sua estrela que completa uma órbita em cerca de 2,2 dias. O lado diurno atinge os cerca de 1.200°C, calor suficiente para transformar areia em vidro, enquanto o lado noturno arrefece o bastante para que esses minerais vaporizados se condensem em gotas. É um mundo pintado de azul-choque, não por oceanos, mas por uma fina névoa de silicatos que dispersa a luz das estrelas como uma safira virada do avesso. E por essa névoa rugem correntes de jato a cerca de 7.000 km/h, tão ferozes que atiram o vidro recém-formado de lado através do céu.

Imagina uma gota a formar-se na extremidade mais fria, uma pequena pérola de vidro de silicato, a tremer na linha do crepúsculo. A linha do terminador — a fronteira entre o dia e a noite — desliza sob ela à medida que os ventos a apanham e atiram através da atmosfera, numa viagem tão violenta que a esfrangalha em grãos antes do próximo amanhecer. Todos já sentimos aquele momento em que uma rajada transforma chuva em agulhas na face; estica essa sensação por um planeta inteiro, e as agulhas tornam-se grãos cintilantes, a rajada uma correia transportadora global. O azul que imaginas não é calmo. É uma nódoa de vento e brilho.

A forma como sabemos tudo isto é um tipo de previsão do tempo ao contrário. Os astrónomos lêem a atmosfera do planeta enquanto a luz da estrela passa por ela, desvendaram impressões digitais de rochas vaporizadas no espectro. O tom azul vem da dispersão de Rayleigh causada por partículas de silicato, enquanto mapas de temperatura extraídos de observações “phase-curve” revelam um ponto quente deslocado do subponto estelar — prova clássica de um jato rugidor para leste. Os modelos mostram que num mundo “travado” como este, a energia acumula-se do lado diurno, os gradientes de pressão aumentam, e os ventos aceleram a velocidades que dão a volta ao planeta, transformando a chuva de vidro que cai em grãos de uma lixa orbital.

Como “ver” uma tempestade alienígena do seu sofá

Se quiseres sentir o truque feito pelos dados, começa pelo básico: vai ao Arquivo Exoplanetário da NASA e procura HD 189733b. Procura gráficos do “espectro de transmissão” — aqueles pequenos altos e baixos ao longo dos comprimentos de onda onde a atmosfera do planeta deixa a sua marca. Noutra aba, abre uma imagem pública de “phase-curve”, que mostra como o brilho do planeta muda durante a órbita, como um batimento entre o dia e a noite. Esse é o teu mapa meteorológico disfarçado.

De seguida, traça a história a lápis: a inclinação no sentido do azul revela a névoa de silicatos, um ressalto perto das bandas de água denuncia vapor a correr acima, e o ponto quente deslocado para leste mostra que os ventos arrastam calor de lado. Se estreitares os olhos, consegues desenhar um único cinturão de vento a ligar o dia à noite, tal como o que varre este mundo. Sejamos honestos: ninguém faz isto todos os dias. Mas no momento em que apanhas o padrão com os teus próprios olhos, o título deixa de ser um truque sensacionalista e transforma-se num sistema vivo que quase podes tocar.

Eis a frase que ainda ressoa na minha cabeça como uma pedra dentro do sapato:

“O vento é tão rápido que agarra a chuva e fá-la voar de lado.”

Guarda esta pequena folha de dicas por perto quando a curiosidade disparar:

  • Tipo de planeta: um “Júpiter quente” azul com órbita de ~2,2 dias
  • Velocidade do vento: cerca de 7.000 km/h, jato para leste
  • Temperatura do lado diurno: aproximadamente 1.200°C (suficiente para derreter areia)
  • Porquê azul: dispersão de névoa silicatada, não oceanos de água
  • Como sabemos: espectros de transmissão + curvas de fase + ponto quente deslocado pelo vento

Porque é que uma tempestade de vidro é mais importante que o choque inicial

É fácil tratar isto como isco cósmico para cliques: chuva de vidro! planeta azul! vento como um comboio-bala! Depois lembra-se que isto é meteorologia, não um truque de magia. Um sistema de calor e movimento sob leis que rimam com as nossas — pressão, luz, química — só que posto no máximo. Continuo a ouvir o leve assobio da chuva de lado na minha cabeça.

Esta fornalha azul desafia a forma como pensamos sobre o clima, sobre as histórias que os planetas contam com os seus céus. Os maiores vendavais da Terra agora parecem sussurros ao lado de um jato que contorna um mundo em horas, mas a mesma física une ambos. Cada número que tiramos desses dados — um comprimento de onda, uma oscilação — faz com que um local alienígena pareça menos uma trivialidade e mais um vizinho barulhento.

Quando um planeta usa uma cor assim, entra-nos debaixo da pele. Começamos a imaginar a luz na “costa” entre o dia e a noite, como deve brilhar esse horizonte de rocha vaporizada. Partilhá-lo com um amigo transforma o choque numa espécie de gratidão pelo nosso ar silencioso, pela chuva que cai para baixo. Isso não é pouco.

Ponto-chaveDetalheInteresse para o leitor
Mundo azul, clima violentoHD 189733b é um Júpiter quente azul profundo com ventos perto dos 7.000 km/hTransforma um título numa imagem mental vívida
Explicação da chuva de vidroNévoa de silicatos condensa e é lançada de lado por jatos globaisFaz a “chuva de vidro” parecer física, não ficção científica
DIY meteorologia exoplanetáriaUsa espectros e curvas de fase de arquivos públicos para decifrar a tempestadeAbordagem prática para explorar, aprender e partilhar

Perguntas Frequentes:

  • “Chuva de vidro” é real ou só uma metáfora apelativa? É uma forma resumida de dizer gotas e grãos de silicato a condensar-se na atmosfera, provavelmente formando pequenas partículas semelhantes a vidro que caem — e são lançadas de lado por ventos extremos.
  • Porque é que o planeta é azul se não tem oceanos? A cor deve-se à dispersão Rayleigh provocada pela névoa fina de silicatos, que dispersa preferencialmente a luz azul, dando ao mundo um tom intenso de cobalto.
  • Como sabemos que o vento atinge cerca de 7.000 km/h? Espectroscopia de alta resolução e mapas “phase-curve” mostram um ponto quente deslocado e assinaturas Doppler que indicam correntes de jato supersónicas para leste.
  • Seria possível um humano sobreviver nessa atmosfera? Não. As temperaturas derreteriam metais, os ventos funcionariam como uma lixa, e o ar é principalmente hidrogénio e hélio misturado com rocha vaporizada.
  • Que telescópios revelaram esta meteorologia? O Hubble ajudou a detetar a cor azul e a névoa; o Spitzer mapeou a distribuição do calor; espectrógrafos terrestres como o HARPS mediram ventos; dados recentes do JWST estão a refinar o cenário.

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