Não é bonito. Não faz charme para a câmara. Mas quando o provas, quente e autêntico, a cidade que julgavas conhecer fica imóvel por um segundo.
Da primeira vez que fui à procura dele novamente, segui o cheiro antes de seguir o mapa. Dentro do Mercado Grainger de Newcastle, o ar estava carregado de pão e um leve vapor. Num canto, debaixo de uma placa escrita à mão, um padeiro levantava um disco achatado e pálido do forno, batendo na base como quem testa uma melancia. O pão parecia uma lua em tempos difíceis. A poucos metros, uma panela de aço fervia um “olá” silencioso.
Pedi uma fatia de stotty com uma generosa camada de pease pudding e uma dobra de fiambre suave como um aceno. Os meus dedos ficaram poeirentos de farinha. Uma mulher atrás de mim disse que a avó a trazia aqui “quando as filas enrolavam pelo corredor como uma fita.” Dei a primeira dentada, e o sabor era quente, apimentado e curiosamente limpo, como se alguém tivesse acabado de abrir uma janela no meu peito.
Sabia a porta aberta.
O stotty e o pease pudding, escondidos à vista de todos
Aqui vai a verdade simples: esta não é comida sobre a qual as pessoas se gabam. O stotty é um pão denso, pálido e teimosamente despretensioso. O pease pudding é um puré de ervilhas partidas, com um leve toque de cebola e uma pitada de pimenta branca. Mas juntos, são um aperto de mão do Nordeste diretamente à tua boca. Na fila, vês coletes refletores, enfermeiras depois do turno da noite, um casal de botas de caminhada e um rapaz a contar moedas. É essa a receita completa do motivo pelo qual importa.
Vi numa sexta-feira o padeiro virar um tabuleiro de pães que quase pareciam envergonhados, como se pedissem desculpa por serem bege. Um homem de boina pediu “o do costume”, que afinal era uma fatia de stotty aberta como um livro, pease pudding no meio, fiambre quente a derreter-se por dentro. Comeu de pé, inclinado sobre o papel como se viesse chuva. Não tirou foto. Não falou. Terminou, acenou e voltou ao burburinho do mercado.
Então porque é raro hoje em dia? Tempo e margens, sobretudo. O stotty é pão de fermentação lenta. Pede paciência, não truques. O pudding tem de demolhar, amaciar, mexer até as ervilhas cederem. Os supermercados trocaram o hábito pela velocidade do plástico. O nome também não ajuda; “pudding” soa a sobremesa e baralha toda a gente a sul de Durham. E sejamos honestos, bege não vende numa montra caleidoscópica. O que é discreto recua para o fundo da sala.
Como encontrar, pedir e comer na perfeição
Começa cedo. As melhores bancas começam a servir a meio da manhã, quando o stotty ainda está quente e enche os dedos de vapor. Pede uma fatia suficientemente grossa para aguentar peso. Se tiveres vergonha, diz simplesmente: “Stotty com pease pudding e fiambre, por favor.” Se quiseres o clássico, pede também um pouco de mostarda por baixo do fiambre. Se levares para casa, embrulha em papel, não plástico, e aquece o pão no forno em temperatura baixa durante cinco minutos. Depois, abre-o e barra o pudding enquanto a miolo ainda liberta calor.
Não o julgues frio. Não o metas no frigorífico. E evita trocar o stotty por pão normal, se puderes. Aquela textura, aquele sabor direto e simples, é o cenário perfeito para a pimenta do pudding e o sal do fiambre. Todos já tivemos aquele momento em que aquilo que amamos desaparece sem um grande adeus. Come agora, enquanto ainda existe. Se não encontrares fiambre, experimenta carne assada ou uma fatia de queijo curado e esfarelado. Sejamos sinceros: ninguém faz isto todos os dias.
Vais ouvir muitas teorias sobre a “maneira certa”. Uns juram por mais pimenta preta. Outros juntam beterraba em pickles para um sabor cor-de-rosa a contrastar com o bege. Se queres a sua alma, mantém o ritmo simples: pão quente, pudding generoso, carne salgada, e um minuto de pausa entre dentadas.
“O pão é o prato, o pease pudding é a toalha e o fiambre é o prato principal”, disse-me uma padeira de terceira geração, sorrindo como quem revela um segredo sem se importar.
- Melhor janela: meio da manhã até ao meio-dia, enquanto o stotty ainda está quente.
- Dica de encomenda: pede mostarda por baixo do fiambre, nunca por cima do pudding.
- Em casa: aquece o pão, barra o pudding enquanto estiver morno, come de pé sobre o papel.
Porque salvar isto sabe a mais do que almoço
Comida assim acompanha memórias melhor que um diário. Se o stotty e o pease pudding desaparecerem do mercado, uma parte do clima da cidade vai com eles. Não é só nostalgia por nostalgia; é arte, tempo, e um tipo de linguagem comum passada de mão em mão. Um prato que não pede nada, mas devolve muito. É barato, sacia, é generoso sem complicações. A receita é uma conversa entre paciência e economia, duas habilidades sempre necessárias.
Há também a pequena rebeldia de escolher comida discreta em tempos ruidosos. Sem fogos de artifício, só calor. O tipo de almoço que respeita o teu dia e te deixa equilibrado. Quando penso no padeiro a bater a base do pão, ouço um coração e uma lição de história. Paga-o, come-o como deve ser, e dás um pequeno voto pela cidade onde queres viver. Um lugar onde o mercado ainda cheira a pão quente e pimenta, e as filas ainda se enrolam como fitas.
| Ponto-chave | Detalhe | Interesse para o leitor |
| Onde encontrar | Bancas independentes em mercados municipais e padarias antigas, logo cedo | Chega à hora e ao local certos para apanhar ainda quente |
| Como pedir | Pede stotty com pease pudding e fiambre, mostarda por baixo, corte grosso | Frase simples que te garante o clássico, sem dúvidas |
| Como comer | Pão quente, barrar generosamente, comer de pé sobre papel, sem pressas | Sentir a textura e o sabor como deve ser |
Perguntas Frequentes:
- O pease pudding é doce? Não. Apesar do nome, é salgado. Pensa em puré de ervilhas partidas, cozido com cebola, um pouco de louro e pimenta branca. Macio, terroso e limpo, nada açucarado.
- Posso fazer stotty em casa sem equipamentos especiais? Sim. Uma taça, um tabuleiro e um forno doméstico são suficientes. O segredo está numa fermentação lenta e numa cozedura rápida e forte para ficar achatado, macio e mastigável.
- E se for vegetariano? Dispensa o fiambre e usa cheddar “aflito” ou Wensleydale esfarelado. O sal e a gordura ligam bem com as ervilhas suaves e apimentadas. Junta uma fatia de pickle para dar frescura.
- Quanto tempo dura o pease pudding? Fresco, aguenta alguns dias no frigorífico, mas é melhor comido nas 48 horas. Reaquece suavemente com um fio de água para voltar a ficar cremoso.
- Porque nunca vi isto nos menus? É comida de mercado mais do que de restaurante. Os pratos mais simples são ofuscados pelos “bonitos”. Pergunta a padeiros ou talhantes locais; eles sabem indicar-te o balcão certo.
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